Uma das maiores preocupações de quem decide empreender é a possibilidade de seu patrimônio pessoal ser atingido por dívidas contraídas pela empresa. A legislação brasileira estabelece diferentes níveis de responsabilidade para os sócios, a depender do tipo societário escolhido. Compreender essas nuances é fundamental para a segurança jurídica tanto dos empresários quanto de seus credores. […]
Uma das maiores preocupações de quem decide empreender é a possibilidade de seu patrimônio pessoal ser atingido por dívidas contraídas pela empresa. A legislação brasileira estabelece diferentes níveis de responsabilidade para os sócios, a depender do tipo societário escolhido. Compreender essas nuances é fundamental para a segurança jurídica tanto dos empresários quanto de seus credores.
A regra geral no direito empresarial brasileiro é o princípio da autonomia patrimonial, que estabelece uma separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios. Isso significa que, a princípio, as dívidas da empresa devem ser pagas com os bens da própria empresa, não afetando o patrimônio pessoal dos seus integrantes.
Contudo, essa proteção não é absoluta e varia consideravelmente conforme a estrutura societária adotada.
Responsabilidade em Cada Tipo de Empresa:
Sociedade Limitada (LTDA)
A Sociedade Limitada é o tipo societário mais comum no Brasil, principalmente pela proteção que oferece ao patrimônio dos sócios. Conforme o Artigo 1.052 do Código Civil, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas.
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Isso significa que, uma vez que o sócio tenha integralizado (pago) o valor total de suas quotas no capital social, seu patrimônio pessoal não poderá ser utilizado para quitar dívidas da empresa. A ressalva importante do artigo é a responsabilidade solidária de todos os sócios pela integralização total do capital social. Se um dos sócios não pagar sua parte, os demais podem ser chamados a fazê-lo.
Sociedade Anônima (S/A)
Nas Sociedades Anônimas, a responsabilidade dos acionistas é ainda mais limitada. De acordo com o Artigo 1º da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), a responsabilidade do acionista é limitada ao preço de emissão das ações por ele subscritas ou adquiridas.
Uma vez que o acionista tenha pago integralmente o valor de suas ações, ele não terá mais nenhuma obrigação com as dívidas da companhia, independentemente do montante.
Empresário Individual (EI)
Diferentemente das sociedades, o Empresário Individual atua em nome próprio. Não há a criação de uma nova pessoa jurídica com patrimônio distinto. A empresa, nesse caso, é uma mera ficção jurídica para fins fiscais.
A consequência direta é a responsabilidade ilimitada do titular. Isso significa que o patrimônio da pessoa física e o da “empresa” se confundem. Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caso de dívidas, os bens pessoais do empresário respondem de forma direta e ilimitada, sem a necessidade de processo de desconsideração da personalidade jurídica. A base para essa responsabilidade encontra-se no Artigo 966 do Código Civil, que define o empresário como quem exerce a atividade, ou seja, a própria pessoa física.
Microempreendedor Individual (MEI)
O MEI, embora possua um CNPJ, segue a mesma lógica do Empresário Individual. A pessoa física titular do MEI e a “empresa” são uma única entidade para fins de responsabilidade.
Portanto, a responsabilidade do Microempreendedor Individual pelas dívidas do negócio é ilimitada. Os credores podem buscar a satisfação de seus créditos diretamente nos bens pessoais do empreendedor, como imóveis e veículos.
A Desconsideração da Personalidade Jurídica: Quando a Proteção Cai por Terra
Mesmo nos casos de sociedades com responsabilidade limitada (LTDA e S/A), a proteção ao patrimônio dos sócios pode ser afastada em situações excepcionais através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Prevista no Artigo 50 do Código Civil, a desconsideração permite que os credores alcancem os bens particulares dos sócios e administradores em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Desvio de finalidade: Ocorre quando a empresa é utilizada para propósitos distintos daqueles para os quais foi criada, como a prática de atos ilícitos ou lesão a credores.
Confusão patrimonial: Acontece quando não há uma clara separação entre o patrimônio da empresa e o dos sócios. Pagamento de contas pessoais com dinheiro da empresa e vice-versa são exemplos comuns.
É importante notar que a mera insolvência ou o encerramento irregular da empresa não são, por si só, motivos para a desconsideração da personalidade jurídica. É necessária a comprovação do abuso.
Portanto, a escolha do tipo societário é uma decisão estratégica que impacta diretamente o risco patrimonial dos sócios. Enquanto as Sociedades Limitadas e Anônimas oferecem uma robusta proteção, exigindo a comprovação de fraude ou abuso para que o patrimônio pessoal seja atingido, as figuras do Empresário Individual e do MEI implicam uma responsabilidade ilimitada desde o início.
É imprescindível que os empreendedores, com o auxílio de uma assessoria jurídica especializada, avaliem cuidadosamente as características de cada modelo de negócio, garantindo não apenas o sucesso da empresa, mas também a segurança de seu patrimônio pessoal.
Sandro Sventnickas – OAB/SC 10.807
Sócio da Sventnickas Advocacia
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