Curatela: Entenda o que é, como funciona e sua aplicação em casos de vício em jogos online

Curatela: Entenda o que é, como funciona e sua aplicação em casos de vício em jogos online

A curatela é uma medida de amparo prevista na legislação brasileira para proteger pessoas que, mesmo maiores de idade, não possuem capacidade plena para gerir os próprios atos e administrar seus bens. Em meio a novos desafios sociais, como o vício em jogos online, a aplicação deste instituto jurídico tem sido debatida e, como mostra […]


A curatela é uma medida de amparo prevista na legislação brasileira para proteger pessoas que, mesmo maiores de idade, não possuem capacidade plena para gerir os próprios atos e administrar seus bens.

Em meio a novos desafios sociais, como o vício em jogos online, a aplicação deste instituto jurídico tem sido debatida e, como mostra uma decisão recente em Santa Catarina, adaptada para proteger indivíduos em situações de vulnerabilidade.

O que é a Curatela e como funciona?

A curatela é um instrumento legal, determinado por um juiz, que nomeia uma pessoa (o curador) para cuidar dos interesses e, principalmente, do patrimônio de outra pessoa (o curatelado) que não pode fazê-lo por si mesma.

O objetivo principal não é anular a pessoa, mas sim protegê-la de prejuízos e garantir que suas necessidades sejam atendidas.

Quem pode ser submetido à curatela?

O Código Civil brasileiro, no artigo 1.767, estabelece as hipóteses em que a curatela pode ser aplicada. As mais comuns são:

  1. Incapacidade transitória ou permanente: Pessoas que, por alguma enfermidade ou condição de saúde mental (como transtornos psiquiátricos graves, doenças neurodegenerativas como o Alzheimer ou estados de coma), não conseguem exprimir sua vontade de forma livre e consciente.

  2. Pródigos: Indivíduos que gastam seu dinheiro e dilapidam seu patrimônio de forma compulsiva e descontrolada, colocando em risco seu próprio sustento. O vício em jogos e apostas é um exemplo clássico que pode levar a um quadro de prodigalidade.

  3. Dependentes químicos e alcoólatras: Pessoas cujo vício compromete a capacidade de discernimento para a prática de atos da vida civil, especialmente os de natureza financeira.

Como funciona o processo?

A curatela só pode ser estabelecida por meio de um processo judicial. Geralmente, o pedido é feito por um parente próximo (cônjuge, companheiro, pais, filhos) ou pelo Ministério Público. O passo a passo inclui:

  • Petição Inicial: Um advogado entra com a ação, apresentando os fatos e as provas que justificam a necessidade da medida.

  • Perícia Médica: Esta é a etapa mais crucial. Um médico perito, nomeado pelo juiz, avalia o indivíduo para atestar sua condição de saúde mental e o grau de sua incapacidade para gerir a própria vida.

  • Entrevista Judicial: O juiz entrevista o indivíduo para formar sua própria convicção sobre o caso.

  • Sentença: Com base no laudo pericial e em outras provas, o juiz decide se a curatela é necessária. A sentença define quem será o curador e, fundamentalmente, estabelece os limites da curatela. Ela pode ser parcial, restringindo-se apenas a atos financeiros e patrimoniais (como vender imóveis, fazer empréstimos e gerir contas bancárias), ou, em casos mais raros, total. A tendência do judiciário moderno é sempre buscar a medida menos restritiva possível, preservando ao máximo a autonomia do curatelado.

Decisão de Santa Catarina: Um Precedente para o Vício em Jogos Online

Refletindo a adaptação do Direito aos problemas do mundo digital, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) proferiu uma decisão marcante ao conceder a uma mãe a curatela parcial de seu filho de 26 anos, que estava dilapidando o patrimônio familiar devido ao vício severo em jogos e apostas online.

No caso em questão, o jovem foi diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) voltado para os jogos, o que o levou a um comportamento pródigo. Ele contraiu dívidas substanciais e colocou em risco os bens da família para sustentar seu vício, demonstrando uma clara incapacidade de controlar seus impulsos financeiros.

Com base em um laudo psiquiátrico detalhado, que comprovou a condição do jovem e sua incapacidade parcial para os atos da vida civil, a Justiça catarinense interveio. A decisão estabeleceu uma curatela parcial, com validade de 10 anos, restrita exclusivamente aos atos de natureza patrimonial e financeira. Isso significa que o jovem mantém sua autonomia para outras decisões de sua vida, como as relacionadas à sua saúde, trabalho e convívio social, mas precisará da assistência e autorização de sua mãe, nomeada curadora, para realizar transações financeiras.

Este caso emblemático abre um precedente importante. Ele reconhece formalmente que o “gaming disorder” (transtorno de jogo), já classificado como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ser uma causa legítima para a aplicação da curatela, enquadrando o indivíduo na categoria de pródigo. A decisão serve como um alerta e, ao mesmo tempo, como um amparo para inúmeras famílias brasileiras que enfrentam o mesmo problema, mostrando que o sistema judiciário pode ser um aliado na proteção de pessoas vulneráveis às consequências devastadoras da dependência tecnológica.

Dra. Susane Pacheco Galindro – OAB/SC 74.106

Advogada, Especializanda em Direito das Famílias e Sucessões, parceira da Sventnickas Advocacia

Voltar
Telefone
(48) 3438-3515
Whatsapp
(48) 9 9169-9751