
A pensão alimentícia é um instituto fundamental do Direito de Família brasileiro, desenhado para garantir o sustento e a dignidade de quem necessita, equilibrado pela capacidade financeira de quem paga. No entanto, quando o valor é fixado em uma porcentagem sobre os rendimentos do alimentante (quem paga), surge uma dúvida frequente: sobre quais valores exatamente […]
A pensão alimentícia é um instituto fundamental do Direito de Família brasileiro, desenhado para garantir o sustento e a dignidade de quem necessita, equilibrado pela capacidade financeira de quem paga.
No entanto, quando o valor é fixado em uma porcentagem sobre os rendimentos do alimentante (quem paga), surge uma dúvida frequente: sobre quais valores exatamente essa porcentagem deve incidir?
Para responder a isso, é essencial compreender a distinção legal entre verbas de natureza remuneratória e verbas de natureza indenizatória.
O princípio básico que rege esse cálculo é o de que a pensão deve incidir sobre tudo aquilo que representa um ganho efetivo, um acréscimo patrimonial decorrente do trabalho. São as chamadas verbas remuneratórias. Por outro lado, valores que servem apenas para repor um gasto, compensar uma perda ou garantir a execução do trabalho, sem aumentar a riqueza do trabalhador, são chamados de verbas indenizatórias e, via de regra, ficam de fora do cálculo.
A base de cálculo padrão para a pensão alimentícia, quando descontada em folha, engloba o salário mensal habitual e todas as gratificações que possuem caráter salarial. Isso significa que, além do salário-base, a pensão incide sobre horas extras, adicionais de periculosidade, insalubridade e adicional noturno.
A lógica jurídica é que, embora essas verbas possam variar, elas remuneram o esforço laboral e aumentam o poder de compra do alimentante naquele mês, devendo, portanto, ser partilhadas com o alimentando.
Além dos ganhos mensais, as verbas anuais também são afetadas. O 13º salário (gratificação natalina) e o terço constitucional de férias sofrem, obrigatoriamente, o desconto da pensão.
Por outro lado, existem valores que não entram na conta porque não são considerados “lucro” ou salário. O exemplo clássico são as verbas indenizatórias como o vale-transporte, auxílio-alimentação (ou vale-refeição), diárias de viagem e ajudas de custo.
O entendimento é que esses valores são fornecidos para viabilizar o trabalho ou alimentar o próprio trabalhador durante a jornada, não constituindo renda excedente passível de partilha.
Um ponto que gera muita confusão, mas que já está pacificado na jurisprudência, diz respeito ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O FGTS tem natureza indenizatória e social, servindo como uma proteção ao trabalhador em caso de demissão. Por isso, o valor da pensão alimentícia não incide sobre o FGTS, nem sobre o saldo da conta vinculada e nem sobre a multa rescisória de 40% em caso de demissão sem justa causa. A exceção ocorre apenas se houver uma dívida de pensão acumulada (pretérita); nesse caso, o juiz pode mandar bloquear o FGTS para quitar o débito, mas, para o cálculo mensal regular, ele não conta.
Da mesma forma, verbas pagas estritamente pela rescisão do contrato de trabalho para compensar a perda do emprego, como o Aviso Prévio Indenizado e as Férias Indenizadas (aquelas não gozadas), geralmente são excluídas da base de cálculo da pensão, salvo disposição muito específica na sentença judicial.
Para finalizar o entendimento do cálculo, é crucial falar sobre os descontos obrigatórios. Quando um juiz determina, por exemplo, “30% dos rendimentos líquidos”, ele está se referindo ao valor que sobra após os descontos legais compulsórios. Isso significa que o INSS (Previdência Social) e o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) devem ser subtraídos do salário bruto antes de se aplicar a porcentagem da pensão. A pensão não incide sobre o valor que o governo recolhe; ela incide sobre o que efetivamente sobra para o trabalhador.
Por fim, uma menção deve ser feita à Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Este é um tema que oscilou muito nos tribunais. Atualmente, a tendência majoritária do STJ é considerar que a PLR tem natureza indenizatória e é desvinculada da remuneração habitual, portanto, não deve sofrer desconto de pensão alimentícia, a menos que a sentença ou acordo homologado diga explicitamente o contrário.
Em resumo, o cálculo da pensão busca o equilíbrio: garantir que o filho ou alimentando participe do padrão de vida e dos ganhos reais do pai ou mãe, sem, contudo, avançar sobre verbas que servem apenas para ressarcimento ou proteção social do trabalhador. Contudo, vale lembrar que a “lei suprema” entre as partes é o que está escrito no título judicial. Se a sentença disser expressamente que incide sobre tudo, inclusive FGTS e PLR, essa ordem deve ser cumprida até que haja uma revisão judicial.
Dra. Susane Pacheco Galindro – OAB/SC 74.106
Advogada, Especializanda em Direito das Famílias e Sucessões, parceira da Sventnickas Advocacia
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